sábado, 30 de abril de 2011

Piratas e piratarias

Um organismo chamado Fevip, que reúne editores de filmes em DVD, continua a atirar contra os espectadores de cinema em casa – e que compram e/ou alugam filmes em DVD – um anúncio terrorista que ameaça esses mesmos espectadores com a prisão se forem “piratas”, ou seja, se fizerem o “download” não autorizado de filmes, equiparando o acto ao roubo de objectos.
Este anúncio, importado, já circula há cinco ou seis anos e é apoiado pela Inspecção-Geral das Actividades Culturais. Não se sabe se o apoio, expressamente citado, se traduz em dinheiro. Seria interessante saber-se se esses repelentes minutos já tiveram algum efeito positivo no combate à “pirataria” e, claro, qual o grau de apoio dado pela IGAC à iniciativa.
Acredito que o efeito é nulo. E prefiro um outro tipo, inteligente, de campanha (da Sony, salvo erro) que compara a qualidade dos filmes em edição legítima com a qualidade dos filmes em edição pirateada.
Ressalvando que não faço “download” de filmes (além do mais, a minha banda “larga” é estreita), que prefiro ver filmes em boa qualidade de imagem e som, que sempre paguei e pago para ir ao cinema e para ver cinema em casa (excepto quando fiz crítica de cinema) e frequentei e frequento videoclubes e, que como autor, sei que as cópias ilegais prejudicam a remuneração de autores, argumentistas, actores, realizadores e produtores. E, claro, dos distribuidores e exibidores, tanto dos néscios e dos idiotas como dos inteligentes e dos que gostam de cinema.


(Publicado no Facebook em 31.10.10)

"Tigerlilly's Orchids", de Ruth Rendell

Ruth Rendell é, à sua maneira, uma das mais lúcidas cronistas do quotidiano britânico. Sem desvirtuar uma boa história, sem se afastar muito do "thriller", com ou sem Wexford, mesmo quando escreve como Barbara Vine, embora livros mais recentes (como este "Tigerlilly's Orchids", o anterior "Portobello" e o excepcional "The Water's Lovely") sugiram que Barbara Vine já não tem muita razão de ser. "Tigerlilly's Orchids" tem três casas por cenário e é um retrato em mosaico de pessoas e ambientes. E de crimes, pequenos e grandes. Numa narrativa suave que se lê sem parar. Por motivos que se desconhecem, Ruth Rendell (já com dezenas de obras publicadas e com um fulgor criativo e narrativo que ultrapassa a monótona P. D. James) parece ter sido deixada de publicar em português, o que é de lamentar.

(Publicado no Facebook em 5.11.10)

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Os atrasos nos pagamentos (2)

Suponho que, neste sector especificamente, não há tradutor(a) que não tenha o seu (mau) exemplo do relacionamento com as empresas, ou grande parte delas, nesta matéria. Mas como tudo é muito frágil, pouca gente se queixa. Porque parece mal, ou porque têm medo ou porque acreditam demais.
Não há muito tempo, a Associação Portuguesa de Tradutores divulgou um angustiado apelo de um seu associado que tentava encontrar um contacto com uma empresa não editorial de Queluz, que lhe devia mais de cinco mil euros... há um ano. Entretanto, a empresa parecia ter "desaparecido". E eu próprio, há três anos, vi a editora GP retirar-me uma tradução porque eu me tinha queixado da multiplicação de informações contraditórias sobre a data do pagamento da anterior tradução.
Infelizmente, isto é um estado de confusão onde se mistura tudo: a má fé, a malandrice, a pulhice, a desonestidade, os problemas informáticos, as dificuldades conjunturais, o atraso no pagamento às editoras dos livros vendidos pelas livrarias... tudo e, desnecessariamente, um certo défice de informação.
Nesta matéria, tenho sempre defendido que o tradutor e o editor têm interesses convergentes e que a sinceridade e a consciência da crise económica e financeira em que nos encontramos é essencial para que as duas partes não percam tempo com dificuldades acessórias e não estraguem boas relações de trabalho desnecessariamente. Há, e ainda bem, quem concorde comigo.
Este quadro, e convém dizê-lo em bom rigor, tem um responsável indirecto, e muitas vezes directo: o Estado e a sua tradição, suja e ofensiva, de pagar o mais tarde possível. É, quanto mais não seja pelo exemplo que dá, um estímulo a que se faça ainda pior.

“Claridade”: uma divertida caça-fantasmas

A escritora norte-americana Alyson Noël, que se tornou especialmente conhecida pela série “Os Imortais” (“Eternidade”, “Lua Azul”, “Terra Sombria” e, em breve, “Dark Flame” e “Night Star”), uma história fantástica para adolescentes e “jovens adultos”. A personagem central é Ever, uma jovem que se tornou imortal e que tem uma irmã, Riley, morta antes de fazer treze anos, a idade em que passaria, na lógica da língua inglesa, à condição de “teen”.
E é com Riley que Alyson Noël faz um “spin off” de “Os Imortais” para criar uma série autónoma, que tem Riley como personagem principal e encarregue no mundo dos mortos de ser uma Apanhadora de Almas, ou seja, de convencer os mortos que andam como fantasmas pelo nosso mundo a irem descansar para esse outro universo, designado por “Aqui”. Acompanhada por um adolescente de aspecto parvo, Bodhi, e por Botão de Ouro, a bela cadela labrador que fazia parte da família, Riley torna-se uma caça-fantasmas divertida e cheia de iniciativa e as suas primeiras peripécias (para começar, em “Claridade”, a que se seguirá “Shimmer”) lêem-se com gosto. É interessante verificar que “Claridade” beneficia de um estilo diferente de “Os Imortais”, adequado a um público mais jovem, com algum humor mas também com passagens emocionantes, sem as quais uma história destas não poderia passar.
Visando públicos relativamente diferenciados, mas não muito, “Os Imortais” e a série iniciada com “Claridade” são obras que os adultos também deveriam ler, muito especialmente se forem pais com filhos adolescentes ou pré-adolescentes. “Os Imortais” é, à sua maneira, um interessante ensaio sobre a sexualidade adolescente, especialmente das adolescentes. E “Claridade” ajudar a lidar com a morte e com a perda, de uma maneira discretamente sóbria, para lá do simples agrado que a história suscita. (A série “Os Imortais” e “Claridade” são edições Gailivro e eu fui o seu tradutor.)

(Publicado no Facebook em 3.03.11)

“Metro 2033”: aventura e alegoria no subsolo de Moscovo

Pedro Reisinho, o editor da Gailivro, é um homem corajoso e de bom gosto, não hesitando no lançamento de obras excepcionais no domínio do fantástico, num mercado concorrencial onde há de tudo para sectores de público de gostos bem definidos. “Metro 2033”, o romance apocalíptico russo agora publicado, é um desses títulos e foi, dos livros que mais recentemente traduzi, uma extraordinária surpresa.
O cenário temporal deste romance de Dmitry Glukhovsky é 2033, depois do holocausto nuclear, e o que resta dos habitantes de Moscovo (e do resto da Rússia?) está confinado à rede do Metropolitano da capital russa.
Com as suas 180 estações, esta rede subterrânea que também foi parcialmente pensada como um abrigo nuclear pelas autoridades soviéticas, serve uma cidade que, neste altura, tem cerca de 10,5 milhões de habitantes. A extensão do cenário permite a criação de um mundo novo: as estações são verdadeiras comunidades independentes num mosaico que consegue ser duas coisas em simultâneo: um cenário estimulante para uma obra sobre o fim da humanidade (e só o facto de já haver um “Metro 2034” nos diz que ela não pereceu) e uma admirável alegoria política sobre as pequenas nações balcanizadas, com alianças, inimizades e trocas comerciais entre si, que nasceram e se desenvolveram debaixo da terra. No que toca à política e à ciência política, “Metro 2033” faz lembrar “Dune”, de Frank Herbert.
Seguindo a viagem de um jovem em busca da salvação para a sua estação, ameaçada por um perigo misterioso, “Metro 2033” é, ainda, uma inquietante visita guiada ao que restou do período soviético: a preservação do saber clássico numa biblioteca onde os bibliotecários se transformaram em monstros; os edifícios magníficos do estalinismo feitos em ruínas; os jardins cobertos pelas multidões do que será o “homem novo” do pós-apocalipse; as aves, ou dragões, que caem sobre quem se aventura por uma das mais importantes artérias do centro de Moscovo; o monstro que vive debaixo do Kremlin...
O romance de Dmitry Glukhovsky, que já deu origem a um videojogo de grande êxito (o que poderá dificultar a sua imprescindível chegada ao cinema), tem lugar de pleno direito na galeria dos grandes clássicos da ficção científica.

(Publicado no Facebook em 21.02.11)

terça-feira, 26 de abril de 2011

Os atrasos nos pagamentos (1)

A minha interlocutora G. na editora P. foi, no início, muito compreensiva. Contei-lhe o caso da editora D., onde ela até já tinha trabalhado, que demorou quase dez meses a pagar-me 3680 euros num processo que só não acabou em tribunal por uma circunstância fortuita, e ela garantiu que nada disso aconteceria.
Eu fiz a tradução no prazo previsto e entreguei-a e depois... começou o calvário.
O primeiro cheque (o pagamento foi combinado em duas partes) chegou mais tarde do que prometeu e o segundo quase nem chegou. E tudo depois de muitos telefonemas e e-mails.
No caso do segundo cheque, G. garantiu que tinha enviado o cheque. Eu esperei. Como não chegasse, depreendi que tivesse sido roubado e disse-lhe que ia queixar-me à PSP e que ela devia fazer o mesmo, na origem. Não tive de esperar muito: o segundo cheque, o que estava em falta, foi metido no correio na tarde do dia em que sugeri que apresentássemos ambos queixa à PSP, com data desse mesmo dia e... depois de ela ter lido o meu e-mail.

Zombies, orgulho e preconceito

A relativamente recente vaga de zombies no cinema (e na literatura) deixou muito boa gente de cara à banda.
Os zombies são seres sujos e ameaçadores, com o péssimo hábito de quererem devorar pessoas. Ou seja, nada que se recomende fora do cinema e da literatura que se considera menor, apesar de exemplos maiores como, na literatura, “Cell – Chamada para a Morte”, de Stephen King (Bertrand), que é uma boa história com um final débil, “Guerra Mundial Z”, de Max Brooks (Gailivro), que é um épico notável e “Orgulho e Preconceito e Zombies”, de Jane Austen e Seth Grahame Smith (Gailivro), que é uma ousadia divertida. Obras escritas com justificado orgulho pelos seus autores.
No cinema, depois de alguns “remakes” e duas tentativas de George A. Romero de se manter como patriarca contemporâneo do género, o mais interessante, até agora, será “Zombieland”, de Ruben Fleischer, e aguardam-se “Orgulho e Preconceito e Zombies” em 2011 e “Guerra Mundial Z” em 2012 e, na televisão, “Cell” (2011).
Também para a televisão, a recentíssima série “The Walking Dead”, de Frank Darabont, chegou agora à Fox portuguesa (infelizmente, em formato 2:3, que é um hábito tonto deste canal) e revelou-se uma série bem adulta e de qualidade.
E no cinema, mas apenas em vídeo, já existe a continuação em formato de “prequel” de “Orgulho e Preconceito e Zombies”, também de Seth Grahame Smith (com o divertido título “Pride and Prejudice and Zombies: Dawn of the Dreadfuls”). O filme-anúncio pode ser visto aqui. Infelizmente, a edição portuguesa desta obra parece ter sido vítima do desprezo a que “Orgulho e Preconceito e Zombies” foi votado pelos cultores da sisudez literária. Ou seja, pelo preconceito, que é mais mortífero do que um bando de zombies esfomeados e que só se combate pelo orgulho que se põe nas coisas que ficam bem feitas. (“Guerra Mundial Z” e “Orgulho e Preconceito e Zombies” foram traduções minhas e gostei muito dos dois livros.)

(Publicado no Facebook em 3.11.10)

segunda-feira, 25 de abril de 2011

O desaparecimento de Giovannino Guareschi

Diz-me a minha filha, levando um dos meus exemplares das obras editadas em português de Giovannino Guareschi, que ainda conservo, que este autor (jornalista, ilustrador e escritor italiano, 1908 - 1968) já não está publicado em Portugal.
Guareschi foi o criador das imortais personagens do cura Don Camilo e do chefe comunista regional Pepone que, através de dezenas de divertidos episódios, pôs em confronto na Itália do pós-guerra. Mas é um confronto terno, hilariante, de dois adversários que o são apenas por estarem em barricadas políticas diferentes, tutelado por um Cristo a que Don Camilo se confessa e que lhe vai exigindo alguma moderação e alguma diplomacia.
Pelo que consegui perceber, só se encontra um dos seus quatro romances com estas personagens numa colecção da Europa-América. E é pena porque, na actual situação política, as suas histórias poderiam ser, de algum modo, inspiradoras. Embora, recordando-me do que li, Don Camilo e Pepone unissem esforços e munições se lhes aparecesse pela frente um político como o actual primeiro-ministro português. 

A ditadura da sisudez

Pessoa amiga disse-me há tempos que, nos anos todos que levava de leitura da revista do “Expresso” só encontrara um única informação útil: a de que o “bag in the box” não serve para o vinho verde por causa do gasoso que tem.
Senti algo parecido quando deixei ontem a leitura do suplemento “Atual”. Passam-se as páginas e não há uma nota crítica sobre cinema ou livros que anime. Nada. Há algumas coisas estimáveis mas tudo sucumbe a uma ditadura da sisudez que é deprimente.
Na televisão, há um elogio da série “Lost”, em páginas onde não me lembro de ter visto uma nota sobre “The Wire”. E, no cinema, abate-se rapidamente o filme “Deixa-me Entrar”. É um “remake” americano de um bom filme e de bom livro suecos. E não presta? Lembrei-me dos comentários favoráveis das revistas “Empire” e “Total Film” e fui tirar dúvidas com o norte-americano Roger Ebert. Gostou deste versão, dando três estrelas e meia. Roger Ebert gosta de cinema e talvez seja um dos mais respeitados críticos norte-americanos.
No “Expresso”, já não escreve Manuel Cintra Ferreira. Gostava, e gosta, de cinema e talvez tenha sido um dos mais respeitados críticos portugueses. Quando trocou o “Expresso” pela Cinemateca, deixou atrás de si um deserto seco que acredita ser o centro do universo.

[Publicado no Facebook em 25.10.10. Onze dias soube que Manuel Cintra Ferreira tinha morrido e escrevi: "Manuel Cintra Ferreira (1942-2010) gostava de cinema. Não tinha preconceitos. Tinha uma memória excepcional e muitas horas de cinema. Sabia ver e ouvir, à sua maneira. Escrevia sobre cinema e não usava a crítica de cinema para se promover. Era o Roger Ebert português. Não há outro."]

domingo, 24 de abril de 2011

A literatura que parece mal



Nos anos sessenta e no início dos anos setenta, não havia quase literatura fantástica publicada em português. Parecia mal.
A Estampa tinha a saudosa colecção Livro B, na colecção Vampiro ainda apareceu um romance de H. P. Lovecraft com título “Os Mortos Podem Voltar”, as antologias do conto fantástico, com um conto do antigo Presidente da República Manuel Teixeira Gomes (“Sede de Sangue”, com um vampiro) e do “conto abominável”, ambas da Afrodite, deixaram saudades.
Sangue? Vampiros? Monstros? Horror dos horrores! Só funciona, para a grande maioria dos editores e dos círculos críticos que impõem a ditadura do “bom gosto”, quando dá dinheiro. “Crepúsculo” teve, e tem, imitadores sem fim e houve editores que se atiraram à literatura sueca como gato a bofe só porque “Let the Right One In”, de John Ajvide Lindqvist, foi um (merecido) êxito. Hoje, com carácter permanente (e com a devida “declaração de interesses”: algumas edições são traduções minhas), a Gailivro está a lançar excelentes títulos da literatura fantástica mundial, incluindo a ficção científica. E faz pena perceber que a qualidade de um vasto conjunto de obras e o interesse que suscitam em certos públicos, que se vão manifestando “on line”, não se repercutem nos meios onde impera a ditadura da sisudez e de onde é banida a literatura que, aos olhos dos seus vigilantes, é vista como “parecendo mal”.
Neste aspecto, em mais de trinta anos, evoluímos de facto muito pouco.

(Publicado no Facebook em 25.10.10)

No início foi o Prémio

Há cerca de trinta anos, quando já trabalhava como jornalista e tendo já escrito várias histórias desde a adolescência, achei que uma maneira de conseguir publicar um livro seria candidatar uma história a um prémio literário. E assim fiz, enviando um original a uma edição do Prémio Literário Círculo de Leitores.
Íntitulava-se "Os Demónios de Novembro", era uma história de terror e terminava na madrugada da histórica data de 25 de Novembro com um duelo entre um padre e um demónio, filho de uma feiticeira morta pela Inquisição.
A narrativa tinha alguns defeitos de construção mas não era completamente má. O pior era ser uma história de terror. O resultado, obviamente, foi a sua rejeição pelo júri.
Nessa altura, jurei que nunca mais voltaria a escrever livros e percebi que dificilmente haveria lugar no mercado editorial português para a literatura fantástica que era, nessa altura, o que mais me entusiasmava.
Regressei mais tarde ao Círculo de Leitores, onde foi publicado o primeiro dos meus "thrillers", "Crimes Solitários". Também regressei à literatura fantástica por via da colecção 1001 Mundos, da editora Gailivro, embora apenas como tradutor. E "Os Demónios de Novembro" ficou arquivado, nas brumas da memória. A ideia do 25 de Novembro quase como protagonista foi utilizada para outro livro e o conceito básico desta história pode vir a servir para outra...