terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Os meus cães fariam melhor

Um dos meus cães compreende perfeitamente o que significa “comer” (conforto e barriga cheia). O outro compreende na perfeição o que significa “cama” (ficar quieto e dormir). 
Se eu lhes mostrasse uma imagem de um frango, por exemplo, animal que entra na composição das rações que comem, não perceberiam a relação. Se eu mostrasse ao segundo a imagem de uma cama (de cão ou de pessoa), a impressão seria a mesma. Mas ambos comem e dormem bem.
Há, nisto, uma identificação entre o ser vivo e o mundo real. Os dois cães sabem o que significa, para eles e para mim, duas palavras que fazem parte do seu ambiente e da sua vida. Não sabem mais do que isso, claro. E talvez nem lhes interesse. Também não precisam.
O primeiro-ministro António Costa e o ministro das Finanças Mário Centeno não se revelam muito diferentes.
 
“Não têm pão, comam brioches”
 
O primeiro, para sustentar o aumento do imposto sobre o preço dos combustíveis foi ao mais rasteirinho: “usem mais transportes públicos”. A exortação está ao mesmo nível da que é atribuída a Maria Antonieta perante os protestos dos pobres de Pais de que não tinham pão para comerem: que comessem brioches, de massa mais adocicada e mais cara.
Ao dizer o que disse, o chefe do Governo mostrou desconhecer a realidade, a realidade das regiões que compõem o país que quer, a todo o custo, dominar. 
Os transportes públicos são um luxo das maiores cidades e um serviço modesto das restantes. Nas grandes cidades chegam aos subúrbios. Nas outras não vão muito além do centro. Fora das cidades, mais perto ou mais longe, moram pessoas por opção, por inevitabilidade ou porque (no caso dos idosos) aí foram ficando. Quem o faz por opção tem de ter carro próprio. Os outros também têm de fazer por isso, com carros por vezes já velhos ou com os abomináveis e perigosos para-reformas.
O chefe do Governo compreende que os preços dos combustíveis vai aumentar mas não sabe estabelecer a relação entre essa realidade e a realidade do País. Não lhe interessa. O que lhe interessa é o poder pelo poder.
 
“A teia dos impostos”
 
O seu ministro das Finanças, a um outro nível (um é arrogante, o outro pouco discerne), fez o mesmo. Numa entrevista surreal ao “Expresso” aparecem estes diálogos:
 
“Expresso": Dá a impressão de que este é o Orçamento que o deixaram fazer, que não é o seu orçamento.
 M. Centeno: É sempre assim. Se quiser fazer o seu Orçamento vai para casa e faz o seu orçamento lá em casa.
 
"Expresso": Continua convencido de que a descida do IVA na restauração só para a comida, a meio do ano, vai criar emprego?
 M. Centeno: A teia dós impostos é uma coisa terrível.
 
Um ministro com dignidade pessoal e sentido de Estado fugiria à primeira pergunta e tentaria dizer, com alguma elegância, que o Orçamento é do Governo de que ele faz parte. E, quanto à segunda, explicaria tudo bem explicado (porque ninguém consegue explicar porque é a descida do IVA na restauração é bom para o País e para todos nós). 
Um ministro das Finanças que oferece como explicação a uma pergunta, por mais incómoda que fosse, um dislate como “A teia de impostos é uma coisa terrível” mostra que não percebe o que está a fazer. Ou seja: não percebe o que é ser-se ministro, membro de um governo e dirigente do Estado. Não estabelece uma relação com a realidade que o rodeia. E pior, muito pior, é o facto de não querer explicar a lógica destes aumentos de impostos da “austeridade da esquerda”. 
Os meus cães fariam decerto melhor do que eles nos lugares que estas criaturas ocupam. 
 
 

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