domingo, 29 de maio de 2016

A anormalidade governamental

No regime democrático em que ainda vivemos, um governo normal que quisesse contrariar, combater ou anular a prática de dezenas de anos do "contratos de associação" faria duas coisas:

1. Um retrato exacto da situação da rede escolar (sectores público e privado) à escala nacional com base em indicadores económicos rigorosos (cujos elementos, no que às escolas se referem, não podem deixar de estar na posse do Ministério da Educação; e
2. Uma acção inspectiva (conduzida pela Inspecção-Geral da Educação) ao conjunto das escolas privadas beneficiárias dos "contratos de associação" ou àquelas sobre as quais recaem suspeitas de procedimentos ilícitos.

Só depois é que proporia correcções ou alterações, ou apenas uma confirmação, aos "contratos de associação". E nunca se lançaria numa espécie de cruzada invertida contra um sector onde, tal como na rede escolar pública, existe seguramente tudo, do muito bom ao muito mau.
Só que este governo não é um governo normal.
É um governo tolhido por preconceitos ideológicos, falta de dinheiro para satisfazer toda a população, compromissos políticos que o tornam refém de um extremismo político (a extrema-esquerda, onde o PCP se deixou alegremente encaixar), crente em que a "paz social" será comprada pelos favores feitos aos sindicatos.
A actual guerra movida contra as escolas básicas e secundárias à pala dos "contratos de associação" (a que nunca pessoas racionais e inteligentes deveriam, pelo menos por pudor, dar cobertura...) teve três motivos:

1. Poupar algum dinheiro do que é gasto na rede escolar, em geral, na perspectiva duvidosa mas até agora infundamentada de que a rede pública chega para todas as necessidades;
2. Criar uma imagem de combate político que ajuda a desviar as atenções de outros problemas mais concretos e mais prementes; e
3. Pelo aumento da população escolar, com o simples desvio de alunos da rede privada para a rede pública, garantir emprego aos professores que não o conseguem ter devido à quebra generalizada da natalidade desde há pelo menos duas décadas e que constituem hoje o essencial da federação sindical do PCP (a Fenprof), que é mais um dos instrumentos deste partido na "luta de rua".

A anormalidade governamental gerou, como não podia deixar de acontecer, um clima de revolta por parte do sector atingido que, como também não podia deixar de acontecer, não conseguiu reagir com racionalidade.

Aliás, bastaria a forma como terá sido feito um alegado estudo governamental sobre o assunto (e é fundamental para o perceber o artigo de José Manuel Fernandes, que conhece bem o sector, no "Observador") para perceber a debilidade da motivação governamental no âmbito que realmente interessa: a política educativa (ver o quadro em baixo).
Se, por agora, a guerra dos "contratos de associação" se transformou numa sucessão de batalhas sem fim à vista, chegando a pôr em trincheiras opostas o Governo e a Igreja, pode dizer-se que o pior ainda está para vir.
Os quarenta anos de democracia mostram que, quando menos se espera, um problema no sector da educação (que poderia ser resolvido ou atalhado por medidas de política adequadas e consensuais) se transforma numa crise grave com consequências diversificadas.
O ano lectivo de 2016/2017 não tem, por isso, um começo tranquilo assegurado.



Um quadro revelador



Este quadro parece servir para justificar o fim ou a redução dos "contratos de associação" no concelho de Caldas da Rainha. É bizarra a referência ao "tempo de deslocação a pé", é estranha a ignorância relativa aos transportes públicos (que, na capital do concelho, servem as escolas públicas e privadas) e é ainda mais intrigante a sugestão de que poderá haver alunos deste concelho desviados para o concelho vizinho de Óbidos (sem indicar as zonas de origem). Isto acontece porque, segundo se disse e não foi desmentido, o que serviu para esta medida de política educativa foi o Google Maps. E é bem possível porque o estudo(?) que sustenta a guerra, que só foi conhecido depois de ela se ter iniciado, é uma indigência atroz.

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