quarta-feira, 10 de maio de 2017

Como o neojornalismo está a matar o jornalismo português

A última vez que me lembro de ver o que corresponde ao conceito de investigação jornalística foi há meses, no “Expresso”, sobre empresas “off shore” e lavagem de dinheiro. Mas a investigação parou de repente, depois de duas ou três referências a uma lista de “políticos” e “jornalistas” que seriam avençados do Grupo Espírito Santo. Não foi tornada pública, por motivos que, no exercício da liberdade de imprensa, soam a pouco sinceros.
A investigação jornalística desapareceu da imprensa portuguesa. Os “casos” na esfera política, policial e/ou financeira resumem-se aos que já estão a ser investigados pelas autoridades policiais.
Mas não foi só a investigação jornalística que desapareceu. A iniciativa também desapareceu. Hoje, salvo incursões por domínios sociais de maior ou menor relevância, a reportagem foi de férias. O desaparecimento da especialização matou a capacidade de iniciativa. Os apertos financeiros também. E o compromisso político a mesma coisa.
O grupo empresarial e de comunicação social que possui o “Diário de Notícias”, o “Jornal de Notícias” e a TSF (cada um, à sua maneira, com influência), é um padrão de nebulosidade onde se articulam interesses políticos e financeiros. Só a escala é que varia, nos outros.
Os apertos financeiros das empresas de comunicação social são assunto tabu. Os despedimentos também. A compressão de despesas de funcionamento limita a actividade da maioria de jornalistas que ainda restam. Uma minoria, de bem com o(s) poder(es), ainda vai tendo dinheiro para mais alguma coisa. Mas não é para fazer jornalismo.
Esta compressão mantém sossegados, em lugares burocráticos, os jornalistas que já foram ousados. A segurança de emprego é fundamental. Enquanto chefiam, não se comprometem. Atendem o telefone, mandam os outros fazer, de preferência os estagiários, decididos a dar tudo por tudo pela ilusão de uma oportunidade.
O resultado vê-se todos os dias, das notícias (mal) escritas aos “directos” televisivos onde o “então” e o “alegado” reinam e “canonização” é uma palavra pronunciada como “cananização” ou talvez mesmo “canalização”… dos Pastorinhos.
A ignorância, a todos os níveis, campeia. Não há memória, não há centros de documentação, não há revisão, não há quem (nas redacções) ensine a escrever. E tudo se concentra em Lisboa, porque o resto do País não existe para este tipo de jornalismo.
A indiferenciação, a ignorância e a burocracia editorial (repetem-se os títulos de “cada vez mais”) põem os jornais ditos de referência ao nível dos “ao minuto” e mesmo do Facebook. Gratuitamente.
É por isso que os jornais perderam, de vez, a capacidade de interessar compradores. A “notícia” chega pelas “redes sociais” ou pela televisão. E se não chegar, que interessa? Esta semana é o sarampo que interesse, na semana que se segue é a “Baleia Azul”, na próxima semana haverá qualquer outra coisa. Que interessa o que vai ficando para trás?
Sem notícias, sem reportagem jornalística, sem opinião (só os comentadores é que a podem ter, oficialmente), este jornalismo de novo tipo (ou neojornalismo) volta-se contra si próprio.
Vai ser ele, na sua imparável expansão, a liquidar a imprensa nacional pelo mais degradante de todos os motivos: essa perda da capacidade de interessar ao público. Quem é que compra o que já não interessa?



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